segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

06h07




Sábado, e Carlos acordava com a ideia fumegante na sua cabeça de que aquele, de uma maneira ou de outra, seria o seu último dia. Tentou fazer a sua rotina normal, mas a frase é o último dia não lhe parava de bailar na mente como stripper depravada. Pois, que fosse o último. Ligou-se à rede. Apenas um peixe. Isabel. Já trocava impressões com Isabel há meses, mas, mesmo sendo ela da mesma cidade que Carlos, nunca tinham sentido a urgência de se conhecerem para além das palavras. Aliás, pensava ele, um homem de meia idade como eu não tem nada de se meter com miúdas universitárias... Pois, que aquele dia fosse o último, e convidou Isabel para um simples, inocente café.

Isabel, nesse sábado, acordara com os olhos inchados de chorar. Mais um desgosto e será o último. Sozinha há algum tempo, tinha vinte-e-um, mas pensava que já tinha vivido demais. Ligou-se e logo Carlos meteu conversa com ela. Era seu confidente cibernético, embora não se tenham nunca conhecido na realidade real. Pois, que seja hoje, pensava Isabel, que não podia esconder dentro de si uma certa admiração pelas palavras delicodoces daquele homem. Ele convidava-a para um café, bem perto de casa dele, e ela, admirada e, finalmente, curiosa, aceitara sem pensar duas vezes.

Já em casa dele, com o travo do grão torrado na língua, procuraram-se um ao outro...

Carlos pedira licença a Isabel, desculpa-me, mas não gosto de ficar com a casa a cheirar a tabaco, vou fumar na varanda, volto já, fica à vontade, está bem, vai lá, que eu espero todo o tempo do mundo por ti...
Carlos não tirava da cabeça a ideia, este dia será o últmo, e foi. Espantado com a sua própria coragem, os úlimos pensamentos que lhe bailaram na cabeça foram os olhos de Isabel, antes de se estatelar do chão do terraço, nove andares abaixo da sua varanda.

Isabel esperava, enrolada no lençol suave, ainda saboreando a noite de paixão em casa de Carlos; e de tanto esperar, adormeceu...
Ao acordar, deparou-se com a ausência gritante daquele que a tinha devassado... mais um desgosto, este será o último, ele concerteza nem fumava, Isabel não via cinzeiros espalhados pela casa, como sucede nas casas dos fumadores, ele fugira de mim, de mim, na própria casa dele, esperava talvez que se fosse embora para voltar para a sua própria casa, falta de coragem para a mandar embora, possivelmente, e Isabel vestiu-se e saiu porta fora...

Passavam sete minutos das seis da manhã, após horas e horas vagueando perdida nas ruas da cidade adormecida e na sua mente anestesiada pela dor, quando Isabel chegou a casa e subiu à varanda da sala. E a última coisa que se lembrou, antes do violento embate, foi do olhar profundo de Carlos, jurando-lhe que nunca voltaria a amar alguém como tinha amado Isabel naquela noite.
Foto por José Carrilho
Texto por Sara Pereira

2 comentários:

M ♑ disse...

Fuck... que brutal!
Está mesmo qualquer coisa.
E para além disso, gosto da foto :)

Parabens!

beijoca*

Anónimo disse...

Que dizer?...
Uma história louca sem limites... No entanto bem real! Real todos os dias! Chocante! mas deveras profundo. Sem ser exagerado, mas deveras encantado com isto!
Parabéns, Sara!
:)