quinta-feira, 3 de março de 2011

Anatomia de um pesadelo

A acção/reacção deste texto é verídica. O sonho é reflexo de algo que aconteceu, embora não o tivesse presenciado em certos momentos. Escrevi isto como exorcismo. Estou a passar por tudo ainda, e qualquer diferença em relação à realidade foi por distracção ou protecção dos envolvidos.

...
Enquanto esperava, recuei alguns meses no tempo. A luz morna que entrava janela adentro fez a parte de calor humano que aquela sala de espera nunca poderia ter e que me faltava naquele momento em que tudo o que eu precisava era de um abraço. Então, o pensar tornou-se o meu melhor ouvinte.
Cheguei de mão dada e foi nas mãos que reparei quando entrei e os nossos olhos se cruzaram pela primeira vez. Depois, as mãos. Desviei o olhar dos olhos dele, intimidada por um quê de raiva contida ou de arrogância diluída. E de mão dada saí, mas o olhar e as mãos de alguém que a partir daí me seguiu de perto saíram comigo.
Quebrou-se alguma coisa dentro de mim quando, de mãos soltas, depois de algumas noites a sonhar com aquelas mãos e dias a não querer sonhar acordada com a raiva contida (ou a arrogância diluída), nos beijámos. Um abismo de todas as razões passou a ser uma fissura no passeio, daquelas que não se pisam porque dá azar.
Esperava, embalada pelo tiquetaque de um relógio na sala de espera macilenta. Pensava nas mãos, no olhar, nos abismos que de repente cresceram. Tiquetaque. Tiquetaque. Bip... Bip... Bip..........Bip............Biiiiiiiiiiiiiiiiiii...
Levantei-me e saí. O último bipe marcava o fim da espera. A falta da luz que entrava abanou-lhe o espírito, as mãos arrefeciam, o olhar bacejava. Gritei.
O bip espaçado voltou, com outro cantar. Bidididip. Bidididip. Estaquei à saída da sala de espera, olhei para trás. Respirei fundo. Abri os olhos. Vesti-me e saí para te encontrar depois de aguardar na sala de espera onde não há relógio que faça tiquetaque, onde a luz do sol não entra, onde, felizmente, não vou ouvir o bip continuado que marca o fim, onde me vais receber com o sorriso que faltava às mãos e ao olhar.

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